Brasília, 10 de abril de 2020.
Carta aberta do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil sobre a
proposta da MP 934/2020 – educação domiciliar
Documento em PDF (Clique Aqui)
Excelentíssimos/as membros da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados,
No dia dois de abril de 2020, fomos surpreendidas/os pelo anúncio da emenda 26
apresentada à Medida Provisória 934/2020, pela Deputada Federal Dorinha Seabra Rezende,
para que seja admitida oferta de “educação básica domiciliar, sob a responsabilidade dos pais
ou tutores responsáveis pelos estudantes”. Assim, redigimos esta carta aberta para pontuar
os equívocos de tal medida.
No início do ano de 2019, tal proposição foi apresentada pelo governo federal sendo
objeto de amplo e aprofundado debate na sociedade brasileira. Naquele momento, o debate
ocorreu envolvendo especialistas do campo educacional, do direito, de movimentos em
defesa da educação, entre outros sujeitos envolvidos com a garantia de efetivação do direito
à educação como dever do estado, sendo rejeitada de forma unânime. Diante da proposta
atual, consideramos que tal aprovação colocará em risco o direito à educação, como um dos
direitos fundamentais da pessoa humana e poderá ampliar, de forma significativa, a
desigualdade social e educacional no nosso país, pois grande parcela da população brasileira
ficará à margem das condições necessárias para a aprendizagem e desenvolvimento de
crianças e adolescentes em idade escolar.
Nesse sentido, apresentamos argumentos que justificam nosso posicionamento
público em favor da oferta educacional em Instituições específicas para esse atendimento:
- A proposta de educação domiciliar descaracteriza a profissão docente na medida em que tende a valorizar a liberdade da iniciativa privada na elaboração de materiais didáticos, estratégia alinhada aos princípios do mercado. É preciso considerar que a formação de profissionais para a docência na Educação Infantil é uma conquista histórica da sociedade brasileira e, sobretudo, um direito das crianças. Desse modo, uma vez que a Medida Provisória em voga pressupõe que qualquer pessoa poderá exercer esse papel, tal direito das crianças e de suas famílias, encontra-se comprometido.
- De igual modo, pode sobrecarregar as famílias que, por não terem formação específica para mediarem os processos de ensino e aprendizagem, podem não contribuir para o desenvolvimento pleno dos bebês e crianças pequenas, deixando de promover interações, brincadeiras e experiências educativas que abarquem conhecimentos de diferentes ordens (culturais, históricos, científicos, populares, tradicionais, artísticos, científicos, envolvendo aspectos do mundo natural e social, dentre outros).
- As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil de 2009 (DCNEI/2009), definem a educação infantil, em seu art. 5º, como:
Primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, às quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social. § 1º É dever do Estado garantir a oferta de Educação Infantil pública, gratuita e de qualidade, sem requisito de seleção (BRASIL, 2009).
- As DCNEI estabelecem um caráter interacional aos currículos de creches e préescolas, dos quais as/os profissionais aproximam-se e compreendem as experiências sociais vivenciadas pelas crianças com seus pares e com diferentes adultos, de modo a propor novas experiências educativas que visam ao desenvolvimento pleno de meninos e meninas.
- Essas mesmas diretrizes também estabelecem a indissociabilidade entre as práticas de cuidado e educação, compreendendo-as como dimensões articuladas em toda e qualquer prática educativa.
- Desse modo, as DCNEI/2009 expressam o pensamento pedagógico mais atual e avançado dos especialistas e instituições que atuam na educação infantil no país, foram construídas com ampla participação social e estão em coerência com o pensamento pedagógico dos países mais desenvolvidos educacionalmente.
- A proposta de educação domiciliar na etapa infantil contraria essas diretrizes, e iria provocar intensa e profunda discordância e oposição no meio educacional talvez em todos os municípios, pois seus sistemas de ensino tem a competência da gestão da educação infantil.
- Essa mesma proposta desconsidera a realidade brasileira nos seus diferentes contextos, os diferentes arranjos familiares, as profundas desigualdades sociais que inviabilizam que essa modalidade de educação se efetive de forma plena para milhões de bebês e crianças pequenas no Brasil que não terão condições estruturais para que isso se efetive, uma vez que o acesso à educação escolar, é entendido como a única forma de garantia do direito a educação legalmente declarado.
Portanto, ainda que existam argumentos favoráveis a essa prática e que se pautam
em experiências de países como os EUA e Canadá, no Brasil, tal modelo não se aplica dadas
as especificidades da realidade socioeconômica de nosso país e os marcos legais brasileiros
que garantem o direito à educação escolar a todas e todos. Do mesmo modo, tal proposta
nega a relevância do papel da escola como um espaço fundamental nos processos de
socialização das crianças e adolescentes.
Diante destes argumentos cabem algumas questões:
- Estaria o sistema educacional brasileiro e seus órgãos competentes em normatizar e fiscalizar a oferta dessa modalidade de ensino – caso aprovada – preparados para estabelecer e efetivar mecanismos de acompanhamento e avaliação da aprendizagem?
- Diante da possibilidade de educar seus filhos em casa, as famílias que não dispõem de recursos para garantir acesso a materiais didáticos e nem contratar profissionais, contariam com o apoio do Estado em disponibilizar recursos públicos para essa modalidade de ensino?
- Não seria essa proposta também um indicador de que o sistema educacional brasileiro, no que tange às condições de qualidade da oferta educacional, deve ser objeto de atenção e debate a ser fortalecido nos espaços de formulação e implementação de políticas educacionais, com viabilização de recursos públicos para a superação dos grandes desafios que ainda se colocam para que se materialize o princípio constitucional de conferir padrão de qualidade às escolas brasileiras?
Cordialmente,
COMITÊ DIRETIVO DO MIEIB 2018-2020
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