30/01/2019

Posicionamento do MIEIB contrário à Medida Provisória sobre Ensino Domiciliar

O novo governo acaba de anunciar, por intermédio do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a intenção de regulamentar, por meio de Medida Provisória (MP), o ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil. 

A MP terá força de lei, no entanto, precisará ser encaminhada para aprovação do Congresso Nacional, em até 120 dias, para que se torne norma definitiva. Caso aprovada ela contraria a decisão do Supremo Tribunal Federal que, em setembro de 2018, considerou ilegal a garantia pelo Estado do ensino fora da escola. A atual legislação admite em casos excepcionais a oferta da educação em ambiente doméstico ficando o aproveitamento sujeito à avaliação por órgãos do sistema. 

Diante dessa situação, o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB), vem a público, manifestar seu posicionamento contrário a essa medida, pois compreende que sua implementação colocará em risco o direito à educação, como um dos direitos fundamentais da pessoa humana e poderá ampliar, de forma significativa, a desigualdade social no Brasil. 

A proposta de ensino domiciliar mostra-se, ainda, em desacordo com o art. 208 da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), os art. 53, 54 e 55, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/1990), que versam sobre o direito à educação de toda criança e adolescente, o dever do Estado na garantia da educação escolar pública e o dever das famílias em matricular seus filhos na rede regular de ensino, tal como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB 9.394/1996, em seu art. 4º, que determina:


Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013) 2 a) pré-escola; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) b) ensino fundamental; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) c) ensino médio; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013) III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013) IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade própria; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; VIII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013) IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. X – vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade. (Incluído pela Lei nº 11.700, de 2008). Art. 4º-A. É assegurado atendimento educacional, durante o período de internação, ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado, conforme dispuser o Poder Público em regulamento, na esfera de sua competência federativa. (Incluído pela Lei nº 13.716, de 2018). (BRASIL, 1996, grifo nosso).





Nas palavras da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos*, com essa MP, em breve, o mercado disponibilizará materiais para que as famílias possam gerenciar os conteúdos. Para além da inconstitucionalidade com relação ao dever do Estado na garantia da educação básica, desde o nascimento, essa afirmação poderá colocar em risco a educação pública, pois há clara menção à liberdade da iniciativa privada na elaboração de materiais didáticos, estratégia alinhada aos princípios do neoliberalismo, e fragiliza a profissão docente, uma vez que qualquer pessoa poderá exercer esse papel, completamente em desacordo com o art. 61 da LDB 9.394/1996.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil de 2009 (DCNEI/2009), definem a educação infantil, em seu art. 5º, como:

Primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, às quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social. § 1º É dever do Estado garantir a oferta de Educação Infantil pública, gratuita e de qualidade, sem requisito de seleção (BRASIL, 2009).

Desse modo, a MP contraria as DCNEI/2009, pois desobriga o Estado em garantir a educação infantil para as crianças de zero a seis anos de idade, em espaços institucionais não domésticos, possibilitando que sua oferta seja efetivada pelas famílias, que passarão a ser consumidoras de materiais didáticos privados, ameaçando os fundamentos do direito à educação. 

O MIEIB se posiciona vigilante na defesa intransigente da educação infantil pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade social para todas as crianças de zero a seis anos de idade, como dever do Estado. 

Conclamamos os Fóruns de Educação Infantil do Brasil, demais movimentos e entidades comprometidas com a educação, que acompanhem e realizem esse debate, que se articulem com os deputados e senadores eleitos nos seus estados e informem às famílias e à comunidade escolar, de modo geral, esclarecendo os problemas dessa proposta.


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* Conforme matéria veiculada no dia 25/01/209. Disponível em: <
https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2019/01/25/damares-educacao-domiciliarpermite-a-pais-ensinar-mais-conteudo-e-gerenciar-aprendizado.ghtml> Acesso em: 26 jan.
2019.





Referências:
BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da
União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 05 out. 1988. Seção 1, p. 1.
______. Estatuto da Criança e do Adolescente, Câmera dos Deputados, Lei no 8.069, de 13 de
julho de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1990.
______. Lei nº 9.424 de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no
art. 60, § 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 dez. 1996.
______. Conselho Nacional de Educação. Câmara da educação Básica. Resolução nº 5, de 17
de novembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
Diário Oficial da União, 18 dez. 2009.



















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